Não queria ser novelo. Queria ser novela! As mulheres das novelas não envelhecem. Brincam de ser mulheres de maridos, mas não são. Apagam-se as luzes do set e estão solteiras de novo. Eu não queria ser a atriz. Essa também tem marido! Eu queria ser a personagem, aquela que morre com o apagar da luz e que volta à cena quando querem os autores. Eu me escreveria. Fina, má e determinada. Mas só de vez em quando. Por vezes eu seria santa e abnegada: solitária convicta. Castidade criativa. Quereria o instante de cada felicidade, e nele poria minha demora. O deleite sem pressa, sem feijão precisando da panela de pressão para que não seque. A vida de pintura, unhas vermelhas, cabelos laqueados e armados como se fosse um circo. Eu, feita de luzes e aplausos. A expressão sem marcas, sem rugas nos cantos da cara. O sorriso livre de cáries indesejadas. A personagem sempre linda, pronta para uma atuação perfeita. A voz determinada expulsando o marido da sala como se fosse um cão que precisa aprender a obedecer . - Sai daqui! - O grito forte, quase igual ao de Dom Pedro às margens do Ipiranga, proclamando a independência do Brasil. (MELO, Pe. Fábio De. Mulheres cheias de graça, 2015, p.103,104).
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